A notável jornalista e escritora Jurema Yari Finamour conseguiu, entretanto,
ter acesso ao material da CPI e reuniu as informações no livro Bem te vi, Amazônia, prefaciado por Barbosa
Lima Sobrinho, revelando que em meados da década de 60 um quinto do
território brasileiro, ou 1,7 bilhão e 700 milhões de metros quadrados
já tinha sido vendido a estrangeiros. Era, ao menos, o que dizia o
próprio ministro da Justiça da administração Costa e Silva, o advogado
Luiz Antônio da Gama e Silva, que promoveu investigações para apresentar
ao Legislativo, indicando que, na ápoca, os maiores proprietários de
terras eram a Wancashira Inc (978 mil hectares), Daniel Jeres (427 mil
hectares), James Bryan (232 mil hectares), Peter Cornelius (205 mil
hectares) e Foivhiro Miamoto (139 mil hectares). E autora também das obras: Coréia sem paz; Quatro semanas na União Soviética;
Vais bem Fidel; Precisa-se de uma rosa: crônica da cidade grande, 1939-1940; Cozinha se aprende - gastrotecnia; e a autobiografia: A mulher que virou
bode. Em 1956, Jurema viajou pela China, e o relato
desta sua viagem encontra-se no livro China sem muralhas.
Fontes: http://www.anovademocracia.com.br/no-23/708-cade-o-brasil-que-estava-aqui
FINAMOUR, J. Bem te vi, Amazônia. 1 ed. Aparecida: Editora Santuário, 1991. 302 p. ISBN 85-7200-048-8 |
___________________________________
Outros livros de Jurema Finamour
Pablo e Dom Pablo
Nascido
em 1904, na cidade de Parral. Morto em 1973, na capital Santiago. Poeta
dos mais editados em todo o mundo ― "o mais lido desde Shakespeare",
segundo seu biógrafo Alastair Reid ―, senador da República pelo PC
chileno, embaixador na França, Nobel de literatura em 1971. Esse é o Pablo Neruda na Wikipedia em espanhol.
Mau caráter. Birrento. Conquistador vulgar. Opressor da esposa. E
por aí vai. Esse é o Pablo Neruda no livro de memórias de Jurema
Finamour.
Mas a Wikipedia, dirão, é mundialmente aceita como fonte
de informações completas e acuradas, muitas vezes, consensuais. Por
outro lado, essa Jurema Finamour, quem é ela? Jornalista brasileira, foi
secretária de Pablo durante muitos anos. Escreveu o romance Precisa-se de uma rosa,
"uma afirmação literária a que não podem ficar indiferentes os que se
interessam pela arte e pela vida", segundo Nelson Werneck Sodré, seu
amigo. Depois, apareceu com Pablo e dom Pablo (Nórdica, 1975), um
ótimo trabalho de jornalismo e exemplo de boa prosa, onde almeja
"destruir o mito Neruda": "estamos cansados de oportunistas fantasiados
de santos, de vaidosos egocêntricos com máscara de humanistas!"
Não espanta que o livro esteja há muito tempo fora de catálogo,
confinado em sebos, e que sua autora tenha sido posta no limbo pela,
digamos assim, intelligentsia nacional. É difícil até mesmo
encontrar suas mais básicas informações biográficas na internet. Em
outros países, é comum a edição e reedição de obras que desafiam mitos,
nacionais ou regionais ou mundiais. Mas o Brasil é um país de mitômanos ―
sobre Neruda, você encontra nas livrarias algumas biografias, mas nada
criticamente próximo a Pablo e dom Pablo.
A fã
Em 1943, Jurema tem o primeiro contato com a poesia de Pablo,
apresentada por um amigo. Foi amor à primeira vista. Conta ela em suas
memórias: "Eu era, indubitavelmente, uma felicíssima 'inocente do
Leblon'! Inocente total: de vida e morte. Mas, com tanta poesia
louca-de-pedra, acabei drummonianamente nerudófila: mentecapta."
Um ano depois, consegue uma passagem com o embaixador chileno, e viaja para entrevistar Neruda para o jornal Diretrizes.
Quando a entrevista, de ídolo para fã, é publicada, Jurema já está de
volta ao Brasil e é funcionária do governo de Getúlio Vargas, servindo
no Gabinete Civil da Presidência da República. Na verdade, ela acabaria
sendo uma das primeiras divulgadoras, se não a primeira, da obra do
então desconhecido Neruda aqui "neste vasto Brasil de vastíssima
ignorância latino-americana", ao trazer do Chile, na bagagem, cem
exemplares de livros seus, que iria deixar em livrarias-chave da cidade ―
"Com a entrevista em Diretrizes e os livros nas livrarias", escreve, "Pablo Neruda passa a ser um dos nossos."
Durante a primeira e ruidosa viagem de Neruda ao Brasil, Jurema
já o serviu como secretária, ao recepcioná-lo e à (segunda) esposa,
Delia del Carril, e ciceroneá-lo em encontros com comunistas e em
comes-e-bebes burgueses, demasiado burgueses. Em troca, não recebeu
nenhum pagamento ― ainda era uma fã embevecida.
Então, vem o Golpe de 1964. Com ele, o exílio de Jurema no
Uruguai e, em seguida, no Chile, de onde recebera convite de Neruda para
ser sua secretária, dessa vez de forma mais profissional. A confortável
casa do poeta ficava numa localidade a três horas de Santiago, chamada Isla Negra, nome mais do que adequado para os maus bocados por que passariam Jurema Finamour e os outros empregados.
"Brasil es un país de cobardes!"
Logo nos primeiros dias, Pablo faz saber à recém-contratada que "o
Brasil é um país de covardes", que não se opuseram mais ferreamente aos
militares, optando por fugirem do país. Arrogante, senhorzinho da razão,
menospreza os exilados brasileiros no Chile que mendigam por seu
autógrafo: "Aos derrotados não se deve jamais estender a mão!". Em 1949,
durante o governo de González Videla, ele também foi obrigado a fugir
(ou melhor, exilar-se, quem foge são os covardes brasileiros) de
cavalo para a Argentina, de onde partiria para a Europa, ao invés de
ficar e lutar ao lado do Povo; mas não importa.
Não havia moleza para os empregados em Isla Negra. Jurema fazia
as refeições com lápis e caderneta a mãos, "porque sempre nosso Pablito,
avivada a memória com o vinho tinto aquecido, e distendidos os nervos
com o prazer da refeição, entregava-se todo a fantasias e não se cansava
de descobrir, nos mais recônditos recantos da memória, algo que lhe
escapara, que passara desapercebido, que fora esquecido..."
Nessa época, Pablo já estava casado com Matilde Urrutia, uma
mulher que parecia de caráter ainda mais rabugento que o do marido, que,
no entanto, nunca contrariava seus caprichos. "Entre sete e oito
horas", lemos, "antes do último expediente, dado pelo poeta no living, ela me enviava, à guisa de consolo e de jantar, um pobríssimo lanche constituído de um tezito
e o pãozinho redondo que, às vezes, continha um pedaço de queijo ou,
mais raramente, uma fina, finíssima fatia de carne". A degradação era
tanta que, meses depois, ao visitar um médico amigo que nada lhe cobra,
Jurema é avisada de que "teu estado de subnutrição é tão grande, que se
continuares em Isla Negra ou mesmo no Chile, não teremos condições de
tratar-te. Aconselho-te ires de imediato para a Alemanha", onde ela
tinha amigos, mas para onde, por questões financeiras e diplomáticas,
não poderia ir, pelo menos por enquanto.
E olha que Yuremita, como a chamava Pablo, ocupava o
posto de secretária! Calcule então o que não sofriam os outros poucos e
mais humildes empregados, que viviam praticamente em regime de cárcere
privado. "Imagine, señora", diz um deles, "que com o que ganho,
com a miséria que ganho, devo pagar até meu café da manhã." Certo dia,
ao viajarem para uma cidade próxima, o casal Neruda deixou Jurema de
cama em Isla Negra, com uma forte gripe, sem medicamento e sem comida.
Ou melhor, até havia remédio na casa, mas o mesmo empregado que fizera a
confissão acima informou que a patroa os mantinha trancados e longe do
alcance do restante dos moradores.
Entre outras más feitorias, Pablo e Matilde não repassavam a
Jurema as cartas que chegavam do Brasil, de seu pai, irmão e de Nelson
Werneck Sodré.
Amor aos exilados
Tanto batente por tão pouco salário. Corria por todo o Chile, em
boca nada pequena, que seu Poeta Maior pagava os menores salários da
nação. É até possível que os funcionários aliciados pelas impiedosas
multinacionais ianques recebessem mais do que aqueles às ordens do
escritor socialista. Que achava natural que uma exilada trabalhasse o
quanto fosse por quanto fosse sem nada reclamar. "Ele não escondia
mesmo", relata Jurema, "que achava ridículo alguém, na condição de
exilada, almejar a um conforto burguês. Aliás, condição da qual ele
jamais abriu mão, mesmo em casas alheias..." Certa feita, ainda em
terras chilenas, uma artista plástica perguntara a Jurema por que Pablo
não contratava o serviço de chilenos, e ela mesma respondeu: "É porque
nós o conhecemos de sobra!"
Anos depois, um estudante da Guatemala exilado na Alemanha contaria à autora de Pablo e dom Pablo: "Fui apresentado a P. N. por seu amigo M. A. Astúrias [escritor guatemalteca].
Quando eu saíra da Guatemala tinha o corpo todo quebrado pelas
sucessivas surras que me aplicara a polícia... (estou aqui me tratando
da espinha que tenho afetada por essa violência). En passant pelo
Chile, no meu exílio, fui por um mês secretário de P. N. Nem quero
recordar o que passei. É o homem mais execrável e orgulhoso que jamais
conheci... não me faz bem lembrar, eu o odeio de morte!"
Com os dissabores pelos quais passava, Jurema Finamour perde a
fé que tinha na bondade, na humanidade, de Pablo. Dissabores como ter o
poeta a poucos metros, gargalhando de sua situação vexaminosa, ao ser
acossada por um cão raivoso. "Nunca eu deveria ter vindo ao Chile. Isso
era o pior que poderia me acontecer: perder o respeito pelo poeta. Um
duro desamor crescia em mim. Que impressão me fará reler agora a minha, e
sua, tão admirada "Ode a la pobreza": "...junto a cada pobre me encontrarás cantando..."?
A agonia de Jurema só teve fim quando ela conseguiu um muito
suado visto para a Alemanha, onde ficaria na casa do casal de amigos
Anamaria e Thiago.
A vida e a obra de um escritor
Há outro nome que precisa com urgência ter seus livros reeditados
nestes trópicos que, por outro lado, costuma desperdiçar papel com
mediocridades internacionalmente reconhecidas: Leo Gilson Ribeiro,
falecido no início do ano passado. Crítico literário arguto na percepção
e soberbo na escrita. Além de Cronistas do absurdo (José Alvaro Editor, 1964), sobre escritores de língua alemã, ele escreveu também O continente submerso
(Best Seller, 1988), com entrevistas, resenhas e artigos que desvendam a
literatura da América de língua espanhola. Ambos encontráveis apenas em
sebos.
Leo trabalhou com Mino Carta no início da revista Veja,
colaborou com jornais paulistas, foi professor de literatura brasileira
na Alemanha e, embora seu último emprego tenha sido nas páginas da
revista Caros Amigos, é fácil perceber que não foi um autor
facilmente digerível para certo setor da esquerda. Suas críticas sem
concessões, tanto ao totalitarismo do "mundo livre" quanto ao do "mundo
socialista", nunca repercutiam bem entre adoradores de coisas como a
Revolução (anti) Cultural chinesa. Não obstante, esperamos que alguma
editora nacional tenha bom gosto e senso de realidade suficientes para
reimprimir os dois livraços de Leo Gilson.
Pois bem. No capítulo de O continente submerso dedicado a
Pablo Neruda (capítulo, aliás, onde eu fiquei sabendo da existência do
livro de Jurema Finamour, "precioso, indispensável e responsável"), o
autor lembra da importância de se dissociar um escritor, quer dizer, sua
vida, de sua obra, em nome da boa análise. Lembra ele que "há na
história das artes e do pensamento inúmeros casos de monstros que foram
artistas admiráveis", e cita, entre outros, Arthur Rimbaud, que foi
traficante de escravos, e o poeta Ezra Pound, que deu uma mãozinha ao
fascismo.
Entendo a idéia, mas fico me perguntando até que ponto
poderíamos estendê-la. É verdade que a mim pouco interessa que Coetzee
tenha ou não o hábito de andar de bicicleta; consta que ele anda, mas,
se não andasse, não deixaria de ser meu escritor preferido. Por outro
lado, pense numa hipótese extrema: suponhamos que, enquanto Hitler matou
judeus, negros, deficientes, gays e o que mais, ele tivesse
escrito cinco fabulosos romances, mais duas deleitosas coletâneas de
crônicas e um volume reunindo sua poesia completa, originalíssima.
Poderia a Academia sueca ter-lhe, nessas condições, outorgado, lá pelo
ano de 1940, o Nobel de literatura? Por que não? Afinal de contas, se é a
obra que importa...
Mesmo um exemplo factual, longe do extremo e hipotético
elaborado acima, deixa claro o quão é difícil separar o histórico de
vida de um escritor de sua produção, ou pelo menos de como vemos essa produção. Em 1959, o alemão Günter Grass publicou O tambor,
uma das críticas mais acerbas à Alemanha nazista. A obra alavancou sua
carreira e, em grande parte devido a ela, em 1999 Grass ganhou o Nobel.
No entanto, em 2006 ele lançou o livro de memórias Nas peles da cebola,
onde, de raspão, como quem não quer fazer muita celeuma, confessa que
pertencera à Waffen-SS, a execrável polícia nazista. Nem por isso, as
resenhas e análises já publicadas sobre O tambor foram tiradas
das prateleiras de bibliotecas, livrarias e dos arquivos da imprensa
para serem alteradas, o que de resto só poderia acontecer na Oceania de
George Orwell. Mas o fato é que, tivesse Günter Grass revelado ter sido
membro de uma instituição nazista antes de publicar O tambor,
certo como o pôr do sol é que os comentários sobre este romance
inevitavelmente se fariam à luz de seu passado sombrio (e conhecido).
Alguém aí duvida?
Ou imagine, ainda, que a autoria de livros como Portnoy's complaint e Letting go,
em que a comunidade judaica dos EUA não sai nem um pouco boa no
retrato, tenha sido, não do judeu Philip Roth, mas de algum
estadunidense mulçumano antijudeu (!). Alguma dúvida de que esses
romances seriam encarados como algo muito diferente de uma bem-vinda
autocrítica?
E, como prova cabal de que a vida de um escritor inevitavelmente
influencia a maneira como sua obra é lida, basta citar que há muitos
deles que levam para a tumba segredos não revelados nem mesmo em
autobiografias e biografias "definitivas". Pra não falar nos que evitam
ao máximo a exposição pública ― citemos o curitibano Dalton Trevisan,
para ficar em um nome de peso.
De qualquer jeito, segundo Leo Gilson Ribeiro, essa dissociação
que ele vê às vezes tão necessária, ainda que sempre problemática, entre
o homem e sua obra não causa dores de cabeça no caso do poeta Pablo
Neruda: aqui, ambos, obra e homem, são medíocres.
A rainha e o poeta
Neruda, segundo Jurema Finamour em Pablo e dom Pablo, tinha
muito medo de que alguém lhe tomasse o posto de Maior Poeta da América,
título em cuja validade ele acreditava antes de mais ninguém. Assim é
que, em uma entrevista, ao falar sobre os bons poetas contemporâneos,
não cita o nome do argentino Armando Tejada Gomes, sobre o qual ele
tecia grandes elogios... em particular.
Colocar-se no pedestal e evitar concorrência fazia parte de seu
projeto de vencer o Nobel, o que acabou acontecendo em 71. Ninguém
batalhou mais para que esse prêmio fosse para Neruda do que ele próprio.
Nos anos anteriores, vinha fazendo lobby ante a academia e o governo chileno, para que apoiassem sua candidatura.
Entre um lobby e outro, escrevia às pencas ― o que não
deixava de ser mais uma forma de auto-propaganda desse "pseudo-poeta"
(termo de Leo Gilson) ― artigos para jornais e revistas de países
socialistas, aqueles conhecidos pela pluralidade e riqueza de opiniões.
Informa sua ex-secretária que "ele os fabricava facilmente porque era um
palavrório frouxo, que se arrastava pelas coisas, pelas inumeráveis
coisas do Chile: seu processo eleitoral, suas lutas, suas andanças, suas
loucas geografia, geologia, fauna e flora (...) Chamava-os,
pomposamente, mis artículos, mas não passavam de corriqueiras
crônicas que eu não sei por quem seriam lidas... e para que serviam?"
Ora, Jurema, serviam, antes de mais nada, para que os dirigentes das
ditaduras comunistas proprietárias dos jornais mostrassem ao Povo como
seu sistema contava com simpatizantes... no exterior. (Lembro agora de
Paulo Francis escrevendo que quando Gorbachev enfim convocou eleições
livres na URSS, nenhum comunista foi eleito.)
É importante informar que, em casa, Neruda tinha seu próprio jornal de estimação, o El Siglo.
Esse veículo cobriu o sexagésimo aniversário do poeta com a empolgação
de quem cobria, sei lá, a chegada do homem à lua, ou quem sabe a própria
descoberta da América.
A propósito, as páginas de Pablo e dom Pablo que
descrevem a incrível farra que foi o aniversário de sessenta anos do
Poeta Maior são simplesmente imperdíveis. Logo nos preparativos, os
empregados do casarão trabalharam como burro ladeira acima, e também
durante o evento. E depois, claro. Pablo recebeu muitos presentes, mas
um em particular lhe deixou à beira das lágrimas: um bumbo com bordas
vermelhas até então pertencente às forças reais da rainha da Inglaterra,
e que lhe foi entregue pessoalmente por súditos de Sua Majestade.
Emoção além da conta, esse brinde vindo do outro lado do mundo, de uma
das monarquias mais conservadoras de que já se teve notícia. "Que
surpresa extraordinária para um poeta do povo", ironiza Jurema.
O triângulo amoroso
Como dissemos, quando Jurema conheceu Pablo, este já estava em seu
segundo casamento, com Delia del Carril. Acontece que, já naquela época,
Matilde Urrutia era, digamos, assessora de Neruda, e corria rumores de
que mantinha um caso com ele. Se faltava algo para esses rumores se
confirmarem, ele veio com a futura separação de Pablo com Delia e seu
terceiro casório, com Matilde.
Certo, artistas, talvez um pouco mais que o resto de nós, casam,
traem, casam de novo, reincidem, trecasam e por aí vai. Só que, no caso
de Neruda, também nesse campo o buraco é mais em baixo. Ao se separar
de Delia, ele a deixou na pindaíba, o que causou indignação em todo o
país. O pior é que, ao casarem-se, a dona da fortuna era ela, e não ele,
que, tudo indica, não achou ruim refestelar-se com o dinheiro da
parceira.
Quer mais? Pois saiba que em algumas ocasiões o poeta gostava de
humilhar a atual esposa na frente da amante e futura esposa Matilde. Na
Alemanha, uma senhora francesa disse a Jurema que, numa reunião em
Paris, "Pablo obrigava Delia a dançar, ali diante de todos nós. Aquela
pobre Delia envelhecida, humilhada, acabrunhada pelo desespero, sendo
obrigada a dançar diante dos amigos... e da amante do marido."
Matilde, com a aquiescência do agora esposo Neruda, passou a
gerenciar de forma canina os afazeres daqueles que trabalhavam para o
marido, "e se alguém se opunha aos caprichos do casal", escreve Jurema,
"era logo rotulado de 'estranho', de 'insociável', e desencadeava um
ódio irracional". De caráter explosivo, certa vez insultou e mandou
embora dois amigos que foram a Isla Negra com um punhado de roupas
usadas para doar a Jurema e ao cozinheiro Juan.
Tempo ao tempo
"Mira", comentou um dia Pablo a sua serviçal, "vives uma
ocasião excepcional, no Chile, centro de lutas da América, em Isla
Negra, minha casa... É assunto inesgotável que interessaria aos jornais
de qualquer país..."
A indireta foi tão direta que Jurema demorou apenas uma fração
de segundo para perceber que o patrão queria usá-la como (mais um) meio
de propaganda. "Eu começava a entender", lemos na página 90, "depois de
algum tempo na Isla, a intensidade e o quase impudor com que se
autopromovia Pablo Neruda. Em nenhum minuto sequer era negligenciado o
binômio: poesia-propaganda."
"Sim, Pablo", ela respondeu, "um dia eu escrevo sobre sua vida
em Isla Negra, mas dê tempo ao tempo... quando eu puder respirar."
Pois deu tempo ao tempo, respirou e, em 1975, publicou Pablo e dom Pablo.
Fonte:Digestivo Cultural
______
Agosto de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário