sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Série livros sobre a Amazônia - BEM TE VI, AMAZÔNIA - Jurema Finamour

A notável jornalista e escritora Jurema Yari Finamour conseguiu, entretanto, ter acesso ao material da CPI e reuniu as informações no livro Bem te vi, Amazônia, prefaciado por Barbosa Lima Sobrinho, revelando que em meados da década de 60 um quinto do território brasileiro, ou 1,7 bilhão e 700 milhões de metros quadrados já tinha sido vendido a estrangeiros. Era, ao menos, o que dizia o próprio ministro da Justiça da administração Costa e Silva, o advogado Luiz Antônio da Gama e Silva, que promoveu investigações para apresentar ao Legislativo, indicando que, na ápoca, os maiores proprietários de terras eram a Wancashira Inc (978 mil hectares), Daniel Jeres (427 mil hectares), James Bryan (232 mil hectares), Peter Cornelius (205 mil hectares) e Foivhiro Miamoto (139 mil hectares).  E autora também das obras:  Coréia sem paz; Quatro semanas na União Soviética; Vais bem Fidel; Precisa-se de uma rosa: crônica da cidade grande, 1939-1940;  Cozinha se aprende - gastrotecnia; e a autobiografia: A mulher que virou bode. Em 1956, Jurema viajou pela China, e o relato desta sua viagem encontra-se no livro China sem muralhas.

Fontes: http://www.anovademocracia.com.br/no-23/708-cade-o-brasil-que-estava-aqui
 




FINAMOUR, J. Bem te vi, Amazônia. 1 ed. Aparecida: Editora Santuário, 1991. 302 p. ISBN 85-7200-048-8   


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Outros livros de Jurema Finamour

 Pablo e Dom Pablo




Nascido em 1904, na cidade de Parral. Morto em 1973, na capital Santiago. Poeta dos mais editados em todo o mundo ― "o mais lido desde Shakespeare", segundo seu biógrafo Alastair Reid ―, senador da República pelo PC chileno, embaixador na França, Nobel de literatura em 1971. Esse é o Pablo Neruda na Wikipedia em espanhol.

Mau caráter. Birrento. Conquistador vulgar. Opressor da esposa. E por aí vai. Esse é o Pablo Neruda no livro de memórias de Jurema Finamour.

Mas a Wikipedia, dirão, é mundialmente aceita como fonte de informações completas e acuradas, muitas vezes, consensuais. Por outro lado, essa Jurema Finamour, quem é ela? Jornalista brasileira, foi secretária de Pablo durante muitos anos. Escreveu o romance Precisa-se de uma rosa, "uma afirmação literária a que não podem ficar indiferentes os que se interessam pela arte e pela vida", segundo Nelson Werneck Sodré, seu amigo. Depois, apareceu com Pablo e dom Pablo (Nórdica, 1975), um ótimo trabalho de jornalismo e exemplo de boa prosa, onde almeja "destruir o mito Neruda": "estamos cansados de oportunistas fantasiados de santos, de vaidosos egocêntricos com máscara de humanistas!"

Não espanta que o livro esteja há muito tempo fora de catálogo, confinado em sebos, e que sua autora tenha sido posta no limbo pela, digamos assim, intelligentsia nacional. É difícil até mesmo encontrar suas mais básicas informações biográficas na internet. Em outros países, é comum a edição e reedição de obras que desafiam mitos, nacionais ou regionais ou mundiais. Mas o Brasil é um país de mitômanos ― sobre Neruda, você encontra nas livrarias algumas biografias, mas nada criticamente próximo a Pablo e dom Pablo.

A fã
Em 1943, Jurema tem o primeiro contato com a poesia de Pablo, apresentada por um amigo. Foi amor à primeira vista. Conta ela em suas memórias: "Eu era, indubitavelmente, uma felicíssima 'inocente do Leblon'! Inocente total: de vida e morte. Mas, com tanta poesia louca-de-pedra, acabei drummonianamente nerudófila: mentecapta."

Um ano depois, consegue uma passagem com o embaixador chileno, e viaja para entrevistar Neruda para o jornal Diretrizes. Quando a entrevista, de ídolo para fã, é publicada, Jurema já está de volta ao Brasil e é funcionária do governo de Getúlio Vargas, servindo no Gabinete Civil da Presidência da República. Na verdade, ela acabaria sendo uma das primeiras divulgadoras, se não a primeira, da obra do então desconhecido Neruda aqui "neste vasto Brasil de vastíssima ignorância latino-americana", ao trazer do Chile, na bagagem, cem exemplares de livros seus, que iria deixar em livrarias-chave da cidade ― "Com a entrevista em Diretrizes e os livros nas livrarias", escreve, "Pablo Neruda passa a ser um dos nossos."

Durante a primeira e ruidosa viagem de Neruda ao Brasil, Jurema já o serviu como secretária, ao recepcioná-lo e à (segunda) esposa, Delia del Carril, e ciceroneá-lo em encontros com comunistas e em comes-e-bebes burgueses, demasiado burgueses. Em troca, não recebeu nenhum pagamento ― ainda era uma fã embevecida.

Então, vem o Golpe de 1964. Com ele, o exílio de Jurema no Uruguai e, em seguida, no Chile, de onde recebera convite de Neruda para ser sua secretária, dessa vez de forma mais profissional. A confortável casa do poeta ficava numa localidade a três horas de Santiago, chamada Isla Negra, nome mais do que adequado para os maus bocados por que passariam Jurema Finamour e os outros empregados.

"Brasil es un país de cobardes!"
Logo nos primeiros dias, Pablo faz saber à recém-contratada que "o Brasil é um país de covardes", que não se opuseram mais ferreamente aos militares, optando por fugirem do país. Arrogante, senhorzinho da razão, menospreza os exilados brasileiros no Chile que mendigam por seu autógrafo: "Aos derrotados não se deve jamais estender a mão!". Em 1949, durante o governo de González Videla, ele também foi obrigado a fugir (ou melhor, exilar-se, quem foge são os covardes brasileiros) de cavalo para a Argentina, de onde partiria para a Europa, ao invés de ficar e lutar ao lado do Povo; mas não importa.

Não havia moleza para os empregados em Isla Negra. Jurema fazia as refeições com lápis e caderneta a mãos, "porque sempre nosso Pablito, avivada a memória com o vinho tinto aquecido, e distendidos os nervos com o prazer da refeição, entregava-se todo a fantasias e não se cansava de descobrir, nos mais recônditos recantos da memória, algo que lhe escapara, que passara desapercebido, que fora esquecido..."

Nessa época, Pablo já estava casado com Matilde Urrutia, uma mulher que parecia de caráter ainda mais rabugento que o do marido, que, no entanto, nunca contrariava seus caprichos. "Entre sete e oito horas", lemos, "antes do último expediente, dado pelo poeta no living, ela me enviava, à guisa de consolo e de jantar, um pobríssimo lanche constituído de um tezito e o pãozinho redondo que, às vezes, continha um pedaço de queijo ou, mais raramente, uma fina, finíssima fatia de carne". A degradação era tanta que, meses depois, ao visitar um médico amigo que nada lhe cobra, Jurema é avisada de que "teu estado de subnutrição é tão grande, que se continuares em Isla Negra ou mesmo no Chile, não teremos condições de tratar-te. Aconselho-te ires de imediato para a Alemanha", onde ela tinha amigos, mas para onde, por questões financeiras e diplomáticas, não poderia ir, pelo menos por enquanto.

E olha que Yuremita, como a chamava Pablo, ocupava o posto de secretária! Calcule então o que não sofriam os outros poucos e mais humildes empregados, que viviam praticamente em regime de cárcere privado. "Imagine, señora", diz um deles, "que com o que ganho, com a miséria que ganho, devo pagar até meu café da manhã." Certo dia, ao viajarem para uma cidade próxima, o casal Neruda deixou Jurema de cama em Isla Negra, com uma forte gripe, sem medicamento e sem comida. Ou melhor, até havia remédio na casa, mas o mesmo empregado que fizera a confissão acima informou que a patroa os mantinha trancados e longe do alcance do restante dos moradores.

Entre outras más feitorias, Pablo e Matilde não repassavam a Jurema as cartas que chegavam do Brasil, de seu pai, irmão e de Nelson Werneck Sodré.

Amor aos exilados
Tanto batente por tão pouco salário. Corria por todo o Chile, em boca nada pequena, que seu Poeta Maior pagava os menores salários da nação. É até possível que os funcionários aliciados pelas impiedosas multinacionais ianques recebessem mais do que aqueles às ordens do escritor socialista. Que achava natural que uma exilada trabalhasse o quanto fosse por quanto fosse sem nada reclamar. "Ele não escondia mesmo", relata Jurema, "que achava ridículo alguém, na condição de exilada, almejar a um conforto burguês. Aliás, condição da qual ele jamais abriu mão, mesmo em casas alheias..." Certa feita, ainda em terras chilenas, uma artista plástica perguntara a Jurema por que Pablo não contratava o serviço de chilenos, e ela mesma respondeu: "É porque nós o conhecemos de sobra!"

Anos depois, um estudante da Guatemala exilado na Alemanha contaria à autora de Pablo e dom Pablo: "Fui apresentado a P. N. por seu amigo M. A. Astúrias [escritor guatemalteca]. Quando eu saíra da Guatemala tinha o corpo todo quebrado pelas sucessivas surras que me aplicara a polícia... (estou aqui me tratando da espinha que tenho afetada por essa violência). En passant pelo Chile, no meu exílio, fui por um mês secretário de P. N. Nem quero recordar o que passei. É o homem mais execrável e orgulhoso que jamais conheci... não me faz bem lembrar, eu o odeio de morte!"

Com os dissabores pelos quais passava, Jurema Finamour perde a fé que tinha na bondade, na humanidade, de Pablo. Dissabores como ter o poeta a poucos metros, gargalhando de sua situação vexaminosa, ao ser acossada por um cão raivoso. "Nunca eu deveria ter vindo ao Chile. Isso era o pior que poderia me acontecer: perder o respeito pelo poeta. Um duro desamor crescia em mim. Que impressão me fará reler agora a minha, e sua, tão admirada "Ode a la pobreza": "...junto a cada pobre me encontrarás cantando..."?

A agonia de Jurema só teve fim quando ela conseguiu um muito suado visto para a Alemanha, onde ficaria na casa do casal de amigos Anamaria e Thiago.

A vida e a obra de um escritor
Há outro nome que precisa com urgência ter seus livros reeditados nestes trópicos que, por outro lado, costuma desperdiçar papel com mediocridades internacionalmente reconhecidas: Leo Gilson Ribeiro, falecido no início do ano passado. Crítico literário arguto na percepção e soberbo na escrita. Além de Cronistas do absurdo (José Alvaro Editor, 1964), sobre escritores de língua alemã, ele escreveu também O continente submerso (Best Seller, 1988), com entrevistas, resenhas e artigos que desvendam a literatura da América de língua espanhola. Ambos encontráveis apenas em sebos.

Leo trabalhou com Mino Carta no início da revista Veja, colaborou com jornais paulistas, foi professor de literatura brasileira na Alemanha e, embora seu último emprego tenha sido nas páginas da revista Caros Amigos, é fácil perceber que não foi um autor facilmente digerível para certo setor da esquerda. Suas críticas sem concessões, tanto ao totalitarismo do "mundo livre" quanto ao do "mundo socialista", nunca repercutiam bem entre adoradores de coisas como a Revolução (anti) Cultural chinesa. Não obstante, esperamos que alguma editora nacional tenha bom gosto e senso de realidade suficientes para reimprimir os dois livraços de Leo Gilson.

Pois bem. No capítulo de O continente submerso dedicado a Pablo Neruda (capítulo, aliás, onde eu fiquei sabendo da existência do livro de Jurema Finamour, "precioso, indispensável e responsável"), o autor lembra da importância de se dissociar um escritor, quer dizer, sua vida, de sua obra, em nome da boa análise. Lembra ele que "há na história das artes e do pensamento inúmeros casos de monstros que foram artistas admiráveis", e cita, entre outros, Arthur Rimbaud, que foi traficante de escravos, e o poeta Ezra Pound, que deu uma mãozinha ao fascismo.

Entendo a idéia, mas fico me perguntando até que ponto poderíamos estendê-la. É verdade que a mim pouco interessa que Coetzee tenha ou não o hábito de andar de bicicleta; consta que ele anda, mas, se não andasse, não deixaria de ser meu escritor preferido. Por outro lado, pense numa hipótese extrema: suponhamos que, enquanto Hitler matou judeus, negros, deficientes, gays e o que mais, ele tivesse escrito cinco fabulosos romances, mais duas deleitosas coletâneas de crônicas e um volume reunindo sua poesia completa, originalíssima. Poderia a Academia sueca ter-lhe, nessas condições, outorgado, lá pelo ano de 1940, o Nobel de literatura? Por que não? Afinal de contas, se é a obra que importa...

Mesmo um exemplo factual, longe do extremo e hipotético elaborado acima, deixa claro o quão é difícil separar o histórico de vida de um escritor de sua produção, ou pelo menos de como vemos essa produção. Em 1959, o alemão Günter Grass publicou O tambor, uma das críticas mais acerbas à Alemanha nazista. A obra alavancou sua carreira e, em grande parte devido a ela, em 1999 Grass ganhou o Nobel. No entanto, em 2006 ele lançou o livro de memórias Nas peles da cebola, onde, de raspão, como quem não quer fazer muita celeuma, confessa que pertencera à Waffen-SS, a execrável polícia nazista. Nem por isso, as resenhas e análises já publicadas sobre O tambor foram tiradas das prateleiras de bibliotecas, livrarias e dos arquivos da imprensa para serem alteradas, o que de resto só poderia acontecer na Oceania de George Orwell. Mas o fato é que, tivesse Günter Grass revelado ter sido membro de uma instituição nazista antes de publicar O tambor, certo como o pôr do sol é que os comentários sobre este romance inevitavelmente se fariam à luz de seu passado sombrio (e conhecido). Alguém aí duvida?

Ou imagine, ainda, que a autoria de livros como Portnoy's complaint e Letting go, em que a comunidade judaica dos EUA não sai nem um pouco boa no retrato, tenha sido, não do judeu Philip Roth, mas de algum estadunidense mulçumano antijudeu (!). Alguma dúvida de que esses romances seriam encarados como algo muito diferente de uma bem-vinda autocrítica?

E, como prova cabal de que a vida de um escritor inevitavelmente influencia a maneira como sua obra é lida, basta citar que há muitos deles que levam para a tumba segredos não revelados nem mesmo em autobiografias e biografias "definitivas". Pra não falar nos que evitam ao máximo a exposição pública ― citemos o curitibano Dalton Trevisan, para ficar em um nome de peso.

De qualquer jeito, segundo Leo Gilson Ribeiro, essa dissociação que ele vê às vezes tão necessária, ainda que sempre problemática, entre o homem e sua obra não causa dores de cabeça no caso do poeta Pablo Neruda: aqui, ambos, obra e homem, são medíocres.

A rainha e o poeta
Neruda, segundo Jurema Finamour em Pablo e dom Pablo, tinha muito medo de que alguém lhe tomasse o posto de Maior Poeta da América, título em cuja validade ele acreditava antes de mais ninguém. Assim é que, em uma entrevista, ao falar sobre os bons poetas contemporâneos, não cita o nome do argentino Armando Tejada Gomes, sobre o qual ele tecia grandes elogios... em particular.

Colocar-se no pedestal e evitar concorrência fazia parte de seu projeto de vencer o Nobel, o que acabou acontecendo em 71. Ninguém batalhou mais para que esse prêmio fosse para Neruda do que ele próprio. Nos anos anteriores, vinha fazendo lobby ante a academia e o governo chileno, para que apoiassem sua candidatura.

Entre um lobby e outro, escrevia às pencas ― o que não deixava de ser mais uma forma de auto-propaganda desse "pseudo-poeta" (termo de Leo Gilson) ― artigos para jornais e revistas de países socialistas, aqueles conhecidos pela pluralidade e riqueza de opiniões. Informa sua ex-secretária que "ele os fabricava facilmente porque era um palavrório frouxo, que se arrastava pelas coisas, pelas inumeráveis coisas do Chile: seu processo eleitoral, suas lutas, suas andanças, suas loucas geografia, geologia, fauna e flora (...) Chamava-os, pomposamente, mis artículos, mas não passavam de corriqueiras crônicas que eu não sei por quem seriam lidas... e para que serviam?" Ora, Jurema, serviam, antes de mais nada, para que os dirigentes das ditaduras comunistas proprietárias dos jornais mostrassem ao Povo como seu sistema contava com simpatizantes... no exterior. (Lembro agora de Paulo Francis escrevendo que quando Gorbachev enfim convocou eleições livres na URSS, nenhum comunista foi eleito.)

É importante informar que, em casa, Neruda tinha seu próprio jornal de estimação, o El Siglo. Esse veículo cobriu o sexagésimo aniversário do poeta com a empolgação de quem cobria, sei lá, a chegada do homem à lua, ou quem sabe a própria descoberta da América.

A propósito, as páginas de Pablo e dom Pablo que descrevem a incrível farra que foi o aniversário de sessenta anos do Poeta Maior são simplesmente imperdíveis. Logo nos preparativos, os empregados do casarão trabalharam como burro ladeira acima, e também durante o evento. E depois, claro. Pablo recebeu muitos presentes, mas um em particular lhe deixou à beira das lágrimas: um bumbo com bordas vermelhas até então pertencente às forças reais da rainha da Inglaterra, e que lhe foi entregue pessoalmente por súditos de Sua Majestade. Emoção além da conta, esse brinde vindo do outro lado do mundo, de uma das monarquias mais conservadoras de que já se teve notícia. "Que surpresa extraordinária para um poeta do povo", ironiza Jurema.

O triângulo amoroso
Como dissemos, quando Jurema conheceu Pablo, este já estava em seu segundo casamento, com Delia del Carril. Acontece que, já naquela época, Matilde Urrutia era, digamos, assessora de Neruda, e corria rumores de que mantinha um caso com ele. Se faltava algo para esses rumores se confirmarem, ele veio com a futura separação de Pablo com Delia e seu terceiro casório, com Matilde.

Certo, artistas, talvez um pouco mais que o resto de nós, casam, traem, casam de novo, reincidem, trecasam e por aí vai. Só que, no caso de Neruda, também nesse campo o buraco é mais em baixo. Ao se separar de Delia, ele a deixou na pindaíba, o que causou indignação em todo o país. O pior é que, ao casarem-se, a dona da fortuna era ela, e não ele, que, tudo indica, não achou ruim refestelar-se com o dinheiro da parceira.

Quer mais? Pois saiba que em algumas ocasiões o poeta gostava de humilhar a atual esposa na frente da amante e futura esposa Matilde. Na Alemanha, uma senhora francesa disse a Jurema que, numa reunião em Paris, "Pablo obrigava Delia a dançar, ali diante de todos nós. Aquela pobre Delia envelhecida, humilhada, acabrunhada pelo desespero, sendo obrigada a dançar diante dos amigos... e da amante do marido."

Matilde, com a aquiescência do agora esposo Neruda, passou a gerenciar de forma canina os afazeres daqueles que trabalhavam para o marido, "e se alguém se opunha aos caprichos do casal", escreve Jurema, "era logo rotulado de 'estranho', de 'insociável', e desencadeava um ódio irracional". De caráter explosivo, certa vez insultou e mandou embora dois amigos que foram a Isla Negra com um punhado de roupas usadas para doar a Jurema e ao cozinheiro Juan.

Tempo ao tempo
"Mira", comentou um dia Pablo a sua serviçal, "vives uma ocasião excepcional, no Chile, centro de lutas da América, em Isla Negra, minha casa... É assunto inesgotável que interessaria aos jornais de qualquer país..."

A indireta foi tão direta que Jurema demorou apenas uma fração de segundo para perceber que o patrão queria usá-la como (mais um) meio de propaganda. "Eu começava a entender", lemos na página 90, "depois de algum tempo na Isla, a intensidade e o quase impudor com que se autopromovia Pablo Neruda. Em nenhum minuto sequer era negligenciado o binômio: poesia-propaganda."

"Sim, Pablo", ela respondeu, "um dia eu escrevo sobre sua vida em Isla Negra, mas dê tempo ao tempo... quando eu puder respirar."

Pois deu tempo ao tempo, respirou e, em 1975, publicou Pablo e dom Pablo


Fonte:Digestivo Cultural


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Agosto de 2014

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